Diariamente, de segunda a segunda, pela manhã, enquanto você
tenta engatar o dia, entre a sonolência e a correria, Paulo César Pinheiro está
sentado diante de uma folha de papel em branco. Todos os dias. “Fico esperando
acontecer alguma coisa. Quando não acontece nada, pelo menos estou exercitando
a escrita. Mas sempre vem algo. Eu não posso precisar o que vai nascer – pode
ser verso, melodia, uma ideia teatral. Fico à mercê”, diz o compositor, poeta,
romancista e dramaturgo. O ritual é o que ele entende como rotina de trabalho,
mas também como certa obsessão pelo fazer artístico. “Sou escravo da criação.
Está aí uma liberdade que eu não quero ter”, decreta.
Só isso explica sua vasta e volumosa obra, que será tema de
bate-papo com o artista na próxima quarta-feira (16), no CentoeQuatro, dentro
do projeto “Retratos de Artista: Molduras do Pensamento”. Há exato meio século
em desenvolvimento, quando Paulo escreveu seus primeiros versos em 1964,
“Viagem” (com João de Aquino), a produção do carioca soma hoje mais de 2 mil
composições (feitas em parceria, dentre muitos outros, com Tom Jobim, Baden
Powell, Francis Hime e gravadas por, dentre vários, Elizeth Cardoso, Elis
Regina e Clara Nunes, com quem foi casado), 12 discos gravados, 18 livros e
duas peças de teatro, segundo o próprio Paulo, que deixa a conta em aberto.
Ideias para novos romances (seus últimos três, produzidos
em menos de três meses, foram lançados em 2009) ele diz ter várias. “Está tudo
rascunhado. Está me faltando tempo. 24 horas está pouco”, reclama, mesmo
afirmando nunca ter tirado férias da criação em toda sua vida. Na falta de
tempo para dar prosseguimento às novas ideias literárias, ele lança no fim
deste mês o livro “Sonetos Sentimentais para Violão e Orquestra” (Ed. 7
Letras), com cerca de 200 sonetos escritos nas últimas décadas. “São sonetos
que tratam de todos os caminhos sentimentais – românticos, carnais, eróticos”,
descreve.
Maracatu
Está a
caminho também sua terceira peça de teatro, sobre o maracatu. Ao lado de
“Besouro Cordão de Ouro” (2006), sobre o mais importante capoeirista
brasileiro, e “Galanga Chico-Rei” (2011), sobre o congado o mineiro, o novo
texto vai fechar uma espécie de trilogia. “São três manifestações musicais
brasileiras muito fortes, além do samba, e estou querendo fazer um tripé da
raiz musical do Brasil”. A ideia, ele assegura, está na cabeça. Só falta tempo
para sentar e escrever.
Em sua
passagem por Belo Horizonte, na próxima semana, Paulo César deve produzir mais.
Diz já ter combinado de se encontrar com o compositor mineiro Sérgio Santos, o
parceiro com quem criou mais músicas (está beirando as 200, ele diz), para
acertar novos trabalhos. “O Sérgio tem esse talento de musicar versos, então a
nossa produção praticamente dobrou. Ele manda as músicas pra eu fazer a letra
e, ao mesmo tempo, eu mando versos pra ele musicar. Aí, ao invés de fazer cinco
músicas, a gente faz dez”, diz sobre a dinâmica da parceria que já dura vinte
anos.
Sérgio
integra o grupo de centenas de compositores com quem Paulo César um dia
sentou-se para fazer o casamento entre letra e música. Se enfileirados em uma
linha do tempo, esses parceiros ocupariam toda a extensão da história da música
brasileira em um intervalo de um século. Começaria com Pixinguinha, nascido há
118 anos, e terminaria (por enquanto) com Joaquim Carrilho, nascido há 18,
filho de outro parceiro de Paulo, Maurício Carrilho. “É um negócio espantoso
pra mim. Estou na quinta geração, fazendo música com os filhos dos meus
parceiros. Meus parceiros mais novos me renascem, me sinto sempre vivo, não
envelheço nunca”, reflete.
Tecnofobia
Espantoso
também é o trabalho com que o artista se deparou ao tentar organizar e arquivar
todo o material referente à sua obra. Reconhece que vai ser preciso tempo,
paciência e a ajuda de alguém. “Sou muito desorganizado e tecnofóbico, não faço
nada em computador, até hoje é papel e caneta, e tudo isso está jogado em
gavetas”, admite.
Das
gavetas para a tela grande, sua produção musical será tema de documentário
ainda em produção. O longa vai mostrar ao público a face anônima do pai de
temas populares como “Portela na Avenida” e “Canto das Três Raças”, apesar de
esse tipo de exposição nunca ter sido seu interesse. “Nunca quis ser conhecido.
Prefiro tomar cerveja num balcão de bar e escutar as pessoas sem que elas
saibam quem eu sou. Elas são a matéria-prima da minha obra e, se elas souberem
que estou ali, vai ser diferente. Sou mais minha obra que minha cara. O que vai
ficar é o que eu escrever”.
Retratos de artista: molduras do pensamento
CentoeQuatro (Praça Ruy Barbosa, 104, centro, 3222.6457).
Dia 16 (quarta), às 19h30. Entrada gratuita mediante ordem de chegada (120
lugares).
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